Hoje temos aqui no site um convidado mais do que especial, que tem feito um trabalho extremamente importante no tratamento conservador da escoliose e mudado a vida de muitos pacientes, não só no Brasil, como em diversos outros países. É ele mesmo, Rodrigo Andrade. Fisioterapeuta, com mestrado na USP e futuro Doutor também pela mesma instituição, com diversas formações no tratamento científico dos exercícios específicos para escoliose e fundador da clínica Escoliose Brasil.
Vamos então bater um papo com ele?
Como fisioterapeuta especializado em escoliose, na sua visão, qual a importância da detecção precoce?
Eu entendo que a detecção precoce para escoliose é fundamental. Em 2014-2015 eu participei de um projeto de um trabalho de doutorado lá na USP, que foi quando eu voltei para a escoliose. Já trabalhei com escoliose na época do meu trabalho de conclusão de curso em 2005-2006, mas depois de 10 anos eu voltei para a escoliose, graças a essa pesquisa, onde nós avaliamos 2.562 adolescentes da rede pública aqui no estado de São Paulo para entender e estimar a prevalência da escoliose idiopática do adolescente. A gente ia até as escolas, fazia o rastreamento escolar com o Teste de Adams, que é o teste de flexão do tronco, de levar a maior chão, utilizando um aparelho chamado escoliometro. Quando tinha uma rotação importante ali, com uma gibosidade maior de 7°, indicávamos a radiografia naquele paciente. E aí, o dado mais interessante disso, quando um profissional da saúde faz o programa de rastreamento, vai até as escolas e faz a triagem, a média das curvas são pequenas, a gente encontra curvas de leves a moderadas. Então, a média de todas as curvas que a gente encontrou dos pacientes nesse programa de rastreio era de 20 graus, ou seja, o tratamento só seria com exercícios e, em poucos casos, o uso de um colete. Ou seja, se fazemos um programa de rastreio, diagnosticamos de uma maneira precoce, fazemos um tratamento específico baseado em evidências científicas, as chances dessa escoliose evoluir e precisar de um tratamento cirúrgico é bem menor. Assim, evitamos deformidades mais severas e impactos psicossociais. Então, eu acredito a detecção precoce é algo fundamental, não só para os profissionais da saúde, mas também como uma forma de política pública para ajudar a evitar que cada vez mais a gente tenha pessoas com curvas graves e que tenham que esperar longas filas para a cirurgia.
No que consiste o tratamento conservador da escoliose?
O tratamento conservador da escoliose consiste em exercícios tantos gerais quanto específicos. O que são exercícios gerais? São exercícios de fortalecimento da musculatura do tronco, do core, exercícios da fisioterapia de alongar de um lado e fortalecer do outro, exercícios como pilates, ou seja, exercícios gerais para a coluna. E também temos os exercícios específicos, que são baseados em 4 pilares de acordo com a SOSORT, que são as diretrizes internacionais para o tratamento conservador da escoliose. Para chamar o tratamento da fisioterapia de exercício específico, que é o que a ciência tem recomendado nesses últimos 10 anos, precisamos ter 4 pilares: a autocorreção tridimensional, treinamento das atividades de vida diária, treinamento de exercícios de estabilização mais profundos do tronco em posturas de correção e a educação do paciente e dos familiares. Também já temos uma forte evidência científica da utilização dos coletes ortopédicos para escoliose para evitar a progressão das curvas, ou seja, que essa escoliose evolua e o paciente tenha que encarar uma séria cirurgia na coluna.
É possível evitar a cirurgia tratando a escoliose de forma conservadora?
Sim, é possível evitar o tratamento cirúrgico da escoliose. O colete já tem há mais de 10 anos, comprovado na literatura com fortes estudos em revistas de alto impacto, mostrando que ele pode evitar a progressão da escoliose em mais de 70% dos casos. Então, é muito importante que a gente tenha um tratamento conservador em uma curvatura mais específica o quanto antes, pois desta forma, temos mais chances de ter um bom resultado. Também, ultimamente, nós temos estudos que mostram que os exercícios específicos podem ter um efeito adicional ao uso do colete. Então, o colete já está bem estabelecido na literatura e os exercícios podem ajudar a aumentar esse ganho.
Desde cedo você procurou focar os seus estudos e trabalho em evidências científicas. Atualmente, pensando na ciência, o que de fato funciona para tratar a escoliose?
Quando eu saí da faculdade toda essa parte de prática baseada evidências era muito pouco difundida no Brasil. A gente sabia muito pouco ou era muito difícil ter acesso a estudos científicos em revistas internacionais e até na internet. Em 2005-2006, quando eu me formei, a internet ainda não tinha todo esse poder que está na palma das nossas mãos. Hoje é muito importante, porque fomos crescendo na ciência, não só na escoliose, mas como na fisioterapia como um todo e na medicina como um todo. Atualmente, nós temos uma forte evidência científica de que o colete funciona para a escoliose em curvas de 20 e 40°, então isso a gente já tem bem estabelecido na literatura, com estudos publicados na The New England Journal of Medicine e nas revisões sistemáticas da Cochrane. Então, já temos muitas evidências científicas sobre o colete. Em relação aos exercícios, temos uma crescente nesses últimos 10 anos, principalmente sobre os exercícios de fisioterapia, ou seja, exercícios terapêuticos, e hoje, a gente também tem mostrado, que os exercícios específicos têm uma superioridade com relação aos exercícios gerais para escoliose. Então, se eu tivesse que eleger na fisioterapia o que parece ter um efeito mais importante, são os exercícios específicos para escoliose, comparados aos gerais, e um efeito adicional do uso colete, que tem um resultado ainda mais importante para evitar a progressão da escoliose.
Conta um pouquinho como começou o Escoliose Brasil?
O Escoliose Brasil começou com a ideia de levar o tratamento baseado em evidências científicas para pacientes de todos os cantos do Brasil. Então, quando eu comecei a trabalhar com exercícios específicos, passei a receber pacientes de todos os lugares, que buscavam uma ajuda. Ali eu vi uma oportunidade, não só de ajudar mais pessoas, como também de divulgar e de difundir o trabalho da fisioterapia. Então, o Escoliose Brasil começou de maneira bem despretensiosa e aos poucos, crescendo na medida que a gente foi ajudando cada vez mais pessoas e montando um time de fisioterapeutas. Aos poucos, trouxemos o colete S4D, fomos formatando uma metodologia brasileira e, hoje, nós temos no Escoliose Brasil tanto tratamento para pacientes, quanto a confecção dos coletes ortopédicos, quanto a produção de ciência com um grupo nosso de pesquisa bem grande, que nesses últimos anos publicou perto de 20 estudos. Além disso, nós hoje ensinamos outros fisioterapeutas (mais de 1.500 alunos) a utilizar a nossa metodologia para ajudar pacientes nas suas regiões também.
O método S4D, criado por você e sua equipe, vem ganhando muita força ao longo dos anos, com resultados expressivos no tratamento da escoliose. Explica para gente, por favor, o que é o método?
O método S4D foi criado baseado nessas vastas experiências que tivemos nesses últimos 10 anos, tratando exclusivamente escolioses e deformidades da coluna vertebral. Ele começou, na verdade, de maneira também muito despretensiosa de ter uma maneira que os nossos exercícios tivessem uma reprodutibilidade. O que que quero dizer com isso? A minha equipe começou a crescer, então a Ariane, minha esposa, veio trabalhar comigo primeiro. Depois veio a Milene, que já tinha mestrado. A Fernanda, que já tinha mestrado também. Depois veio Paulo lá de Salvador, também com mestrado. Ou seja, fomos juntando pessoas que tinham o mesmo propósito de trabalhar com essa metodologia e que para que todo mundo estivesse trabalhando da mesma maneira, nós desenvolvemos uma metodologia. Ela funciona assim: nós fazemos uma avaliação utilizando instrumentos e testes validados, utilizando medidas tanto clínicas quanto radiográficas e, baseado em cada resultado desta avaliação, a metodologia nos direciona para quais são os melhores exercícios para cada paciente. Vou dar exemplo, se a gente tiver um paciente que tenha muita rotação, ele vai para um trabalho específico para melhora da rotação. Se é um paciente que tem muita retificação da torácica no plano sagital, na vista lateral, ele vai ter o objetivo de melhora desta condição. Então, para cada tipo de resultado que aparece na nossa avaliação, a gente vai desenvolver um caminho terapêutico com objetivos de melhorar aquela condição. Então, isso foi se formando, a gente foi tendo uma maneira muito própria de trabalhar coisas que nenhum outro método fazia, seguindo rigorosamente todas as diretrizes internacionais que a SOSORT nos orienta para exercícios específicos. Podemos considerar que o nosso método é um método de exercícios específicos, então baseado nisso, nós criamos essa metodologia para ser altamente replicada, para todo mundo ter tomadas de decisão muito parecidas, e com isso, nós fomos tendo mais resultados e mais pessoas trabalhando com a metodologia e também tendo seus resultados. E aí, o que veio coroando isso tudo, foi apresentar pela primeira vez no e-SOSORT de 2021, ou seja, em um congresso internacional, que na época ainda foi pela foi online devido à pandemia. Nós ficamos entre os 18 melhores estudos e no pódio com 2 estudos. No ano o seguinte, nós apresentamos um outro trabalho também na SOSORT, lá em San Sebastian, na Espanha. E, em 2022, saiu o nosso primeiro estudo prospectivo randomizado do método S4D, tanto da utilização com colete, como do uso do colete com os exercícios específicos. Em 2024, há uma semana, nós publicamos um outro estudo sobre a comparação do método S4D na telereabilitação, comparado ao S4D tradicional, ou seja, um trabalho mais tradicional da fisioterapia. Os dois estudos conseguiram evitar a progressão da escoliose e foram muito aceitos, não só pelos pacientes, quanto pelos fisioterapeutas que estavam aplicando. Então, começamos a comprovar isso pela ciência, envolvidos em outras pesquisas muito importantes, tanto com resultados clínicos, quanto científicos, que eu acho que é o mais importante para cada vez mais o nosso método ser aceito pela literatura científica.
Na área da fisioterapia para escoliose, temos perspectivas de novidades vindo aí nos próximos anos?
Eu acredito que sim. Acredito que a fisioterapia é uma profissão que está sempre inovando, tentando buscar coisas melhores para o seu paciente. Como a gente fez agora com a telereabilitação, podendo levar esse tratamento para todos os cantos do mundo, com a única barreira da língua. Acredito que a gente tenha cada vez mais ajuda na tecnologia para desenvolver novos instrumentos, para ajudar na aprendizagem e ajudar no tratamento. Então, acredito que a fisioterapia nos próximos anos vai ter uma junção de todo o acolhimento que esse paciente precisa, prática baseada evidência e tecnologia. Eu acredito que esse tripé seja algo fundamental para a melhora dos nossos pacientes.
Você gostaria de deixar uma mensagem final para todos que hoje convivem com a deformidade, seja paciente ou familiares?
Gostaria sim de deixar uma mensagem final para os pacientes e para os familiares. A ciência está evoluindo cada vez mais. Que nós temos vários grupos de pesquisa pelo mundo, buscando melhorias para esses pacientes, buscando algo de algo melhor, tanto na área da fisioterapia com os exercícios, cada um com sua metodologia, mas trazendo isso de uma forma que é buscando algo melhor para o seu paciente. Então, não importa a metodologia e, sim, como que o fisioterapeuta está buscando se aperfeiçoar para levar o melhor para o seu paciente. E um outro ponto muito importante é que na área dos coletes, nós estamos tentando desenvolver cada vez mais coletes confortáveis, que aparecem menos na roupa e tudo isso para podermos deixar cada vez mais leve esse caminho, que, muitas vezes, é um longo caminho de tratamento. Então, quero dizer para os pacientes que existe, sim, uma possibilidade, existem tratamentos comprovados cientificamente, que podem ajudar a tirar o paciente de uma cirurgia e os fisioterapeutas e uma equipe multidisciplinar está buscando novas maneiras de tentar melhorar cada vez mais essa condição da escoliose. A gente sabe que esse caminho não é fácil, é um caminho longo, muito desafiador, mas que os profissionais da saúde e a nossa equipe do Escoliose Brasil estão junto com todos vocês para levar cada vez mais o melhor tratamento e para deixar esse caminho cada vez mais leve e acolhedor. Acho que esse é o nosso propósito. Eu fico muito feliz de poder ter dado essa entrevista, porque acredito que esses meios de comunicação e de informação, que a internet nos traz, são fundamentais para que a gente leve uma boa informação para todos os pacientes e também para os profissionais da saúde saberem que existem maneiras de ajudar cada vez mais esses pacientes.