Oi pessoal, hoje eu trago uma super convidada para bater um papo muito importante comigo aqui no blog! É a Kátia Pacheco, psicóloga clínica e hospitalar, doutora em ciências médicas pela FMUSP, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e especialista em reabilitação. Ela atua no IMREA HC FMUSP, consultório particular e é docente da Nepho e IPOG.
Sempre falamos sobre a importância da equipe multidisciplinar no tratamento da escoliose, não é mesmo? Pois bem, o profissional da psicoterapia não pode ficar de fora, aliás ele é de extrema importância para o paciente e seus pais. Confiram tudo na entrevista abaixo e não deixem de comentar para mais dúvidas:
1- Katia, seja muito bem-vinda a esse espaço e obrigada por estar aqui conosco. Para iniciarmos nossa conversa, você poderia nos contar como foi e é sua experiência atendendo pacientes com escoliose?
Muito obrigada pelo convite. Minha maior experiência é com atendimento a pessoas com deficiência física: pessoas com amputação, lesão encefálica por AVC ou TCE, crianças com paralisia cerebral, lesão medular etc. Desta forma, a maior parte dos atendimentos que realizei com pessoas com escoliose, eram de pessoas que tinham desenvolvido uma lesão medular ou mesmo dificuldades para marcha, o que tornava o atendimento da Psicologia imprescindível, pois havia questões ligadas à autoimagem e autoestima, assim como dificuldades para elaboração da instalação da deficiência física.
2- Especificamente sobre a escoliose congênita - aquela que a pessoa já nasce com ela - quais os principais desafios de trabalhar a cabecinha da criança?
Inicialmente é realizada a orientação aos pais da criança. É muito importante que o tema escoliose não se torne tabu na família. Quanto mais se pode falar abertamente sobre o diagnóstico da criança, mais ela sente que existe um espaço interno nestes pais para aceitarem ela como ela é. O olhar dos pais na primeira infância funciona como um espelho para a criança e é uma base importante para o desenvolvimento da autoimagem e auto estima. Nomear sentimentos que vão aparecendo no percurso do tratamento também é muito importante para que a criança entenda melhor essas emoções. Mais tarde, quando a criança entra na escola e expande seus grupos sociais, é que ela começa a ter consciência sobre sua diferença e qual a repercussão que essa pode trazer no contexto de vida social e escolar. Neste momento a abordagem é mais direcionada à criança, visando maior consciência do seu diagnóstico, expressão de sentimentos que podem surgir e levantamento de ferramentas/ estratégias diante de atitudes possivelmente preconceituosas que possam ocorrer. É muito importante que a família e escola estejam alinhadas para que ofereçam oportunidades de vida, sem superproteção ou capacitismo, valorizando o potencial da criança.
3- Os pais também precisam de apoio emocional nos casos de filhos com escoliose?
Como disse anteriormente, no atendimento a crianças com escoliose congênita o trabalho muitas vezes não inicia com com a criança, mas sim com seus pais. É muito comum que surjam sentimentos de culpa por parte dos pais (mesmo não havendo base racional para isso), insegurança sobre a decisão de um tratamento (mais conservador ou cirúrgico, por exemplo), além de dificuldades para enfrentar o preconceito existente na sociedade. A orientação parental tem como objetivos principais instrumentalizar estes pais para todas estas questões, assim como acolhê-los diante dos sentimentos despertados, evitando posturas super protetoras ou, ao contrário, mais preconceituosas com relação aos filhos. A criança terá sua identidade corporal desenvolvida com base nas sensações que o corpo dela irá absorver do corpo imaginado por seus pais antes mesmo do seu nascimento, ou seja, das expectativas que seus pais nutriam por ela e por seu corpo e de como eles elaboraram o corpo real da criança após seu nascimento. A possibilidade do sujeito ser reconhecido e valorizado pela sua singularidade é o ponto-chave para o desenvolvimento de uma Imagem Corporal integrada e positiva. É muito importante que os pais saibam como agir diante de situações em que seus filhos lhe perguntam sobre seu diagnóstico ou diante de uma fala preconceituosa na escola, por exemplo. Tudo isso é abordado com estes pais, para que quando a criança cresça e adquira consciência sobre seu diagnóstico, já tenha um apoio familiar sólido e coerente com suas necessidades.
4- Qual a importância da psicoterapia para pacientes com escoliose?
A psicoterapia é importante para pessoas com escoliose, pois promove o autoconhecimento e possibilita a percepção do diagnóstico de forma mais realista, além de facilitar a elaboração de estratégias produtivas para sua maior adaptação, participação ativa no processo de reabilitação e inclusão social. O incremento da autoestima e autoimagem são pontos importantes a serem abordados e que quando bem desenvolvidos, trazem um ganho importante para a qualidade de vida da pessoa.
5- Em sua experiência atendendo pacientes nessas condições, é possível notar que as meninas, principalmente, acabam tendo uma baixa autoestima?
Em nossa sociedade observamos que cada vez mais há estereótipos e padrões estéticos rígidos e inalcançáveis. É muito frequente ver, principalmente meninas, com problemas sérios ligados à autoestima. A condição da escoliose, que muitas vezes traz consigo uma marca corporal, só tende a exacerbar estes problemas. Na minha atuação, já atendi meninas com escoliose que apresentavam baixa autoestima, e outras que, pelo contrário, tinham uma boa relação com sua autoimagem. É muito importante que os pais deem a importância necessária para o desenvolvimento da autoestima. Sempre oriento os pais das crianças a evitarem elogios sobre os resultados finais e aparência física como: "parabéns por ter feitos tão bem todos os exercícios da fisioterapia hoje" ou "você é linda!", pois estes não valorizam o processo que a criança percorreu, e muitas vezes, pode dar a falsa percepção na criança de que se o seu resultado não for exemplar, não será valorizado. Os elogios expressam a opinião do adulto sobre a criança e pode tornar a criança dependente de uma avaliação externa/social, diminuindo a motivação intrínseca da pessoa. Ao contrário, quando você valoriza o processo: " Você se dedicou à fisioterapia hoje e deve estar muito orgulhosa de si mesmo " ou "Você escolheu bem seu vestido. Ficou linda!", você encoraja a criança. O encorajamento desenvolve o senso de capacidade, de auto avaliação, de autonomia. O encorajamento foca no processo e é centrado na tarefa e não na pessoa, o que traz benefícios para o desenvolvimento da autoestima.
6- E como os meninos lidam com tudo isso?
A literatura mostra que há muitos mais casos de escoliose nas meninas, do que nos meninos, e isso se reflete na minha experiência também. Entretanto, a base do tratamento psicológico não sofre alteração a depender do gênero. Tanto as meninas, quanto os meninos, necessitarão de acompanhamento psicoterápico e, seus pais, de apoio e orientação para melhor manejo das vicissitudes do quadro.
7- Qual a importância do apoio familiar no emocional de pacientes com escoliose?
A importância é muito grande, pois a família é o primeiro grupo social do qual a criança pertence e vai se relacionar. É na família que a criança tem suas primeiras impressões sobre si mesma e sobre o mundo. Dessa forma, o relacionamento familiar dá uma base para a criança que muitas vezes servirá como referência para o resto da sua vida. Essa base pode ser produtiva ou não. Mesmo que a família tenha ótimas intenções e muito amor pela criança, o medo que os pais tenham com relação ao preconceito social, o próprio preconceito existente em cada um, pode gerar reações "protetivas" que passam a crença de que os pais não acreditam nas potencialidades da criança, por exemplo. Não se trata de fingir que a criança não tem nada de diferente, pelo contrário, é verbalizar com naturalidade o diagnóstico da criança, apoiando esta em suas conquistas e potencialidades. Por se tratar de uma dinâmica complexa e não esperada para a maioria das famílias, o apoio profissional é muito importante
8- Alguma consideração final, que gostaria de nos pontuar?
Mesmo parecendo um longo e árduo caminho, o processo psicoterápico a pessoa com escoliose e o apoio familiar são fundamentais para uma percepção mais realista de si mesmo, com bom desenvolvimento de autoestima, valorizando seu potencial e inclusão social, de modo a promover qualidade de vida.
Kátia, muito obrigada pela sua participação aqui conosco! Pessoal, qualquer dúvida, estamos à disposição para vocês. É só deixar no campo de comentários abaixo.
Amei a entrevista e confesso que refleti sobre vários pontos do dia a dia. Parabéns, Kátia, sou sua fã.
Excelente conteúdo! Muito boa essa visão profissional sobre o suporte da família no desenvolvimento das crianças com escoliose.
Excelente entrevista, muito importante todos esses caminhos que são fundamentais para todo o sucesso e ajudar com mais leveza